Mundo Paralelo

O céu meio de sol meio de chuva, sabe-se lá para qual direção estava indo. O semáforo estava imóvel no vermelho, só os dedos moviam-se no ritmo da música. Há poucos segundos havia cantado uma estrofe conhecida.
Dentro da cabeça inúmeros pensamentos desparcerados. Contas, planos, vontades. Sentiu o restinho do banho, cabelos ainda úmidos, pele fresca. Confundiu-se. Olhou pela janela, pessoas apenas.
Num lampejo, como raio que corta o céu, lembrou-se dele. Daquele sorriso escondido, dos olhos arredondados que costumavam se perder no horizonte das conversas. Sentiu seu cheiro. Onde estaria? Suspirou desejando que ele estivesse ao alcance da mão. O que faria? Queria trocar um olhar cúmplice apenas. Olhou para o lado querendo confirmar se ele não estava. Não estava mesmo, mas podia jurar que estava. Sim. Ele estava ali de alguma forma.
Cerrou os lábios para que nenhuma palavra escapasse da boca. Pensou. Falou sozinha e bem baixinho como se temesse ouvir seu próprio eu: que pena. Esvaziou-se até os ossos. Era pó.
Lembrou de algo bom do passado. Quase sorriu. Olhou os dedos inquietos e por entre eles estavam pessoas agitadas esbarrando-se no vai e vem contido da faixa de pedestres. De repente um casal. Quando estava prestes a criar uma nova história a fala rouca dele interrompeu sua imaginação.
- Você pegou a Tele-Sena?
A testa franziu, o vidro trincou, o mundo parou, o semáforo abriu.

O mesmo instante em que parecia reencontrar-se no meio do caos era o mesmo que parecia perder-se de si... Quantos pequenos grandes sonhos cabem dentro da Tele-Sena?
Existem alguns momentos em que a vida parece filme. Segundos em que você sente que está ao redor do que está acontecendo e não exatamente agindo. É, sem dúvida, uma sensação estranha...

Um comentário:

Marina disse...

Tive a mesma sensação um dia desses. É aquele instante em que sabemos sermos os únicos privilegiados que pararam de viver no piloto-automático por apenas alguns segundo, para se tornarem testemunhas de um breve momento na vida dos outros. Chega a ser solitário, nos tornamos meio invisíveis, mas imagino que seja um pouco como, finalmente, virar uma mosquinha para xeretar, sabe?? É cercado de um certo poder, inclusive!

Lindo texto! Beijos!!

(no meu caso, os olhos não eram redondos, e sim puxadinhos)